Alguma coisa aconteceu comigo. Alguma coisa tão estranha que
ainda não aprendi o jeito de falar claramente sobre ela. Quando souber
finalmente o que foi, essa coisa estranha, saberei também esse jeito. Então
serei claro, prometo. Para você, para mim mesmo. Como sempre tentei ser. Mas
por enquanto, e por favor, tente entender o que tento dizer.
É com terrível esforço que te escrevo. E isso agora não é
mais apenas uma maneira literária de dizer que escrever significa mexer com
funduras - como Clarice, feito Pessoa. Em Carson McCullers doía fisicamente, no
corpo feito de carne e veias e músculos. Pois é no corpo que escrever me dói
agora. Nestas duas mãos que você não vê sobre o teclado, com suas veias
inchadas, feridas, cheias de fios e tubos plásticos ligados a agulhas enfiadas
nas veias para dentro das quais escorrem líquidos que, dizem, vão me salvar.
Dói muito, mas eu não vou parar. A minha não-desistência é o
que de melhor posso oferecer a você e a mim neste momento. Pois isso, saiba,
isso que poderá me matar, eu sei, é a única coisa que poderá me salvar. Um dia
entenderemos talvez. (...) Escuta bem,
vou repetir no teu ouvido, muitas vezes: a única coisa que posso fazer é
escrever, a única coisa que posso fazer é escrever. /CaioF.
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